sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

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Busco.
O que busco?
Um bosque, e s c o n d i d o .
Árvores que ascendem e
encontro suas raízes - minhas.

Uma terra para fecundar.

Sinto fome e
moedas não servem
para alimentar.
Sinto fome e
um certo frio.

Assadura
entre as pernas gordas
que passeiam.

Caminho
sentindo o cheiro.
Uivo,
entretanto, primeiro.

Obviamente seriam mais do que cinco segundos em seu coração

Obviamente haveria de querer fumar mais um cigarro sentada a sua frente enquanto conversamos as contradições que nos envolvem. Mas agora deixaria a fumaça muito mais leve e não teria tanta pressa ao acender outro cigarro, ou, em pedir mais uma cerveja. Também eu não teria tanta pressa em devorar os teus olhos, porque já não os esqueço. E igualmente não esqueço de como as ruas, nas noites contigo, jamais eram iguais as que eu encontrava caminhando sozinha durante o dia. O mundo era outro e eu buscava compreender o teu cantar, por isso hoje lembro-me de todas as músicas e de como algumas foram difíceis de encontrar. Queria lhe ouvir outra vez, porque beijaria o teu sorriso ao fim das frases postas sobre a mesa feito cartas, mas tu sabes, eu não sei jogar, entretanto, vivo; porém tu não soubeste compreender que os meus erros de português eram acertos plenos, porque verdadeiros. E eu então tive medo. 

Lhe devorei enquanto te decifrava

Yo te quiero like a beach beijando o mar
em ondas;
y te quiero como um bird
que no encuentra otra forma de amar
a não ser voando (libre).

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

De acordo com meu pai a poesia é ilusão

Meu pai acabara de dizer, nesta terça-feira, dia dezoito, que: "O arco-íris é um prisma. O encontro de duas luzes e a água; a transformação em cinco ou mais cores".
Eu continuo a conversa:  Disseram-me que o céu tem as sete cores, mas por algum motivo que eu já não sei explicar, prevalece o azul.
Ele responde-me: "O céu não tem cor."
Eu pergunto-lhe: Mas e o azul?
Ele então, conclui: "O azul é o Infinito. Por que a Terra é um buraco profundo."

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Tudo escrevo

A mesa sob meus papéis, amassados; organizados em tópicos para melhor compreender. Ainda que não se saiba. E tudo o que sinto repousa em um viés. Palavras repetidas. Iguais. Entrelinhas que se desfazem em um retrós desse tempo. Sublinho o movimento. Mordo os lábios. Choro nessa sexta-feira. Tudo sinto e escrevo. A mesa onde almocei e também jantei. A partilha do alimento e a fome. Sempre há fome. E meu corpo magro chora. Choro. Sempre chorei. Como quando era pequena. Ainda sinto tudo e tudo escrevo. Embora poucas vezes tenha me sentado com a tinta azul entre os dedos, para manchar as folhas brancas de sangue. Meu sangue vermelho intenso, e já não uso mais batom. Mancho os dedos com tinta guache. Não sei pintar. Mas escrevo. Tudo escrevo. A cadeira envernizada que se encosta à mesa onde jantei em um sábado à noite e eu mesma cozinhei. Todos comeram. Muitos pontos. Hoje escrevo com muitos pontos. Por que choro-escrevo com muitos pontos. Tal como a chuva. Como parecesse estar nervosa. E estou [?]. Por que tudo escrevo. Mas nenhuma palavra do que escrevo vale alguma coisa. Essas palavras não trazem comida para a mesa que deixa esse caderno firme para que eu escreva. Por isso não jantei hoje. Também porque apagaram as luzes e fecharam a porta. Foram dormir cedo. Como quase sempre. Eu pouco durmo. Sonho o tempo inteiro. E depois respiro. Suspiro e choro. Também sonho. Como já disse. Agora mesmo estou sonhando. Estou feliz e sorrio. Tenho a pele macia e as unhas feitas. O cabelo penteado. Mulher feita. Como se diz. Caminho levemente decida. Que é prá não cair. Sorrio. Sorrio para mim mesma. Mas por vezes, se me olho no espelho, choro. Choro. Não porque não me reconheço. Pelo contrário.  Por ter consciência desse sentir que não se desfaz. E sou. Tudo escrevo. Mas essas páginas continuam em branco. E então choro. Tudo escrevo. E esse branco que silencia. Tudo escrevo. O voo do pássaro em silêncio enquanto amanhece e eu permaneço. Os sapatos desapertados. Anoiteço. E ainda no escuro, tudo escrevo. 

domingo, 11 de dezembro de 2016

Em presença

Como se não pudesse mais dizer ou querer seguir,
mas vai e diz.
Encontra o silêncio, nada mais.
Como se os olhos mendigassem luz.
Como se somente o vento movesse as folhas.
Tuas mãos intactas repousam.

Vejo teus pés e sorrio.
Teus passos - meus,
não param: me seguem.

Os olhos baixos proclamam luz.
In-dependência da órbita ocular (minha).

Então o frio congela os ossos
e derreto-lhe.
Lenha queimando no fogão.

Tomo-te feito sopa,
só prá sentir o gosto teu - quente - ferve (fervendo).

Espero teu repouso e te mastigo;
corto em pedaços, 
como se retirasse espinhos.

Mãos e pés juntos mostram-lhe o que és.
- gesto e passos - não os deixe parados.

Tuas orelhas ouvem o soar das notas
que os teus olhos diziam
e não vias, ouvias.

E ouço ainda mais forte - 
correndo, pulsando entre meu corpo.
É você,
querendo e dizendo juntar os pedaços.

O vento leva todo o respirar
sem movimentos,
repousa a me olhar.

E se eu quiser correr sem nada te dizer,
vai me devorar quando eu voltar?

Em contradição

Reticências,
retilíneas pupilas
dilatando os sorrisos e as feridas
que
molham o travesseiro,
revirando o colchão.

(em contradição.) 

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Meu coração treme e escurece a minha pele clara.
A minha alma chora,
muito embora o corpo se mantenha forte,
firme,
feito cedro em dia de frio.

Lágrimas deslizam internas e frias
deixando o corpo gélido - quase morto,
palpitando em pedaços que parecem não querer mais se juntar.

Então me despedaço
e
caio mesmo em pé.

Tua vontade e teu dizer me calam.
retém minhas pupilas,
ardem meus olhos
não posso ver;
nem tão pouco me mover.

Houve apenas a estagnação do ser,
em própria,
e,
fecunda,
contemplação.

quando é agora, a pensar nos olhos de Macunaíma

O chá de ontem, que bebo (pois ficou esquecido sobre a mesa e eu insisto), escureceu; gosto forte e frio entre os lábios úmidos de sol. Quem sabe hoje choverá mais uma vez; como na semana passada, ou, como no ano passado, no quase ante-ontem. 
Se hoje não fosse terça-feira;
e a lua cheia, há dois dias (nesse agora - o visível - afinal está sempre cheia:
de olhares). 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Mar é saudade, eu sei

Eu lhe encontro em cada respirar que se perde entre o relógio e a hora marcada.
Lhe vejo em liberdade que sempre sorri
e em seguida acordo. O tempo cá é outro
e as linhas parecem continuar -meia- tortas.
Eu lhe desejo em subtileza inda mais delicada,
em páginas muito bem cuidadas
na maciez desses dedos, pequenos.
Eu lhe desejo presente e concreto, porque quero também tocar,
feito piano,
enquanto sussurro a música da nossa solidão,
onde lhe encontro.

domingo, 27 de novembro de 2016

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Nós sussurramos sorrisos e gritamos a solidão que não se esconde mais,
e as paredes silenciam aos poucos em tinta verde.
É verão e as tempestades sempre se vão
prá depois voltar a esfriar,
não no inverno,
mas no dia seguinte.

As árvores disseram que já basta de papel! Por isso gritamos solidão em silêncio.
Quem sabe se o inverno voltar a ser sereno,
plantaremos palavras que irão livres, sussurrar com vento
nas tempestades de verão que ainda perfumam outra estação.

Não te esquece que é preciso trigo, para se fazer o pão.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

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Ao olhar para o lado,
verde campo semeado.

Continuo debulhando
sílabas entre os espaços
brancos -

alimentando sons.

E brotando da terra,
plástico.

As mãos entrelaçam

Em seguida caminhávamos ao lado de um rio. Havia certa serenidade em nossos olhares que sorriam, mas sem a completude que se espera da liberdade. Ainda assim, nossos passos eram libres. Livres porque naquele dia não existia relógio em nosso pulso aprisionando o tempo que respira em nosso corpo. Livres porque distantes não apenas do asfalto, mas das roupas do armário, do gás do fogão. Então eu perguntava-me se a liberdade consistia em simplesmente estar longe de tudo que preenche a realidade cotidiana; porque se assim fosse, estaria sentindo-me livre depois de dez dias diante as margens daquele rio? E ao passar daqueles dez dias, teria de seguir a correnteza que des'água onde eu não sei? Por isso apesar de as paredes de cimento estarem tão distantes quanto o sofá à espera que a TV volte a ligar, o estreito corredor que define os passos permanece a apertar o caminhar; e eu insisto. Continuo sorrindo com os olhos já não tão serenos, porém, ao meu lado a pureza de tocar um coração batendo em Vida; um sorriso que amadurece em cada passo e portanto, os olhos voltam a serenar. As mãos entrelaçam. 

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Mas eu só queria comprar um hambúrguer

Permanecemos intactos em vidro. Ilusão que não se desfaz em caco e do corpo acaba restando apenas um fiapo. Nós nos desculpamos pela indecente aparência de estar entre os pés que não se movem e os olhos que tudo veem e querem engolir. Não, não insistimos mas dizemos que sempre queremos sair daqui. E dizemos porque dizer parece fácil. Hoje é fácil dizer. Não há nada atrás do armário querendo levar os nossos sonhos em pesadelo. Hoje se pode dizer filho da puta no meio da rua e as pessoas ainda riem; o taxista que me vê ri e mastiga sem pensar um palito entre os dentes. Em mim vômito e o suor daquele homem escorrendo pela testa reluzente. E mesmo podendo tudo dizer, prevalece um silêncio aturdido entre o caos e meia duzia de passos perdidos que não sentem mais o cortar dos cacos de vidro. Permanecemos estilhaçados e seguimos, como se houvesse sempre mais um espaço vazio para preencher e assim comprar mais um sapato, de salto. Viver é depois porque permanecemos esmagados em ilusão líquida que se faz vidro e não se vê. Ainda bem que podemos falar filho da puta no meio da rua, pena que não reconhecemos mais o vermelho do Velázquez, o amarelo manga, a poesia da Vida no lugar do programa na TV. 

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Ser humano:
telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor.

E no entanto loucura não é passar três horas diante um ecrã 
movendo o polegar opositor para cima e para baixo. 

Loucura é trabalhar da meia noite às seis carregando galinha
em condições precárias
sem carteira assinada,
para comprar pão, arroz e feijão,
o leite o lápis o tênis (a bola'inda é de meia),
e acreditar que o futuro, será melhor.

Mas aquele outro sujeito me diz que a solução é privatizar a educação!

Ser humano:
telencéfalo altamente desenvolvido, polegar opositor e EGOÍSMO.




quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Enquanto vivo, fragmento



Pediu-me muito gentilmente para que eu não chorasse enquanto deixava a mesa e caminhava sem olhar para trás em direção à porta. Eu, como se conseguisse esquecer dos seus olhos, lábios, palavras sussurrando mentiras, fiz-me mulher de mim mesma e, sem acender um cigarro, acompanhei os seus passos até o outro lado da rua; depois acendi um cigarro e pedi uma cerveja, afinal é primavera e as noites se estendem para além do relógio na parede. Então, com muito cuidado, e, sem prestar muita atenção ao chão que sustentava a mesa, enchi o meu copo de cerveja e deixei que a espuma escorresse entre as minhas pernas e deslizasse em estreito riacho pelo chão. Deixei as pernas molhadas e com a saliva molhei a ponta do lápis que raramente se quebrava, mas que muito rapidamente precisava ser afiado feito faca que retoma a vida e, ainda vendo os seus olhos frente aos meus, escrevi as seguintes palavras: "Vejo o meu amor em sangue púrpura que se esvai do meu corpo tal qual suor encontrando a tua pele. Eu vejo os teus olhos e tu não os vê; acaricio a tua sombra e espero o teu toque em meu pescoço num despertar que jamais se repete. Espero encontrar as mãos colhendo flores e as vejo arranhando a terra como se ferisse o próprio ventre. Olho as minhas mãos sem as tuas e já não sinto tanta vontade de roer as unhas; nem a obrigação de tocar tão perfeitamente aquela partitura que caleja os dedos. Vejo meu amor em sangue simples, vermelho igual à vida que não coagula, mas jorra para fora de si mesma quando o corpo quer aprisionar. Retomo o respirar calmo, provocando o coração que quer cada vez mais uma pulsação, mais rápida e forte e me repito. Me repito em erro derrubando sem querer o copo, quebrando o vidro da janela porque esqueci as chaves pensando em não haver mais portas trancadas. Me repito em r de sorriso forte. Na gargante doendo e cuspindo sangue púrpura, igual ao que vejo, meu amor, preenchendo o meu corpo humano. E assim observo a maciez concreta da carne ao redor dos ossos; as mãos escrevendo e os passos que se redobram, voltando para o mesmo lugar."

quinta-feira, 30 de junho de 2016

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Vamos aos lugares inabitados de nós mesmos, mas não nos perdemos. Continuamos sendo, em presente.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

domingo, 7 de fevereiro de 2016

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Tão lúcida,
tão sonolenta quarta-feira de cinzas que se antecipa enquanto seguro a mesma xícara de café quente.
Dedos macios entre a louça branca ardente.
 Tudo queima,
inclusive o corpo.
 Carne profana.

Amanhecer silencioso.


Tão lúcida quarta-feira de cinzas que se antecipa além destas mãos.

E escurece.

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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

pontu-Ação

O copo estava sobre a mesa ainda úmido. Lábios, vinho e saliva; cuspe na verdade, ao fundo do copo. Escarro sem vertigem. Preguiça. Bitucas de cigarros, sujas. Batom barato escorrendo pela boca em  lágrimas. Tudo igual, e, sempre se repete. Fita cassete soando enrolada no rádio. Som contínuo, extasiante. Preguiça. Pés descalços, amarelos. Unha encravada em esmalte marfim, sujo. Borbulhas. Calcanhares. Caminhos longínquos que perseguem. Pausa. Eternidade e um copo com esse escarro de vida. Grito em silêncios e lágrimas. Contradição eterna que se repete. Fita cassete enrolada, ele enrolado em si mesmo. Perdição. Pausa. Mãos encontram-se em um rosto que se reconhece sem espelho. Ação. Gargalhadas. Dentes linearmente solitários. Ação contínua, táctil. Fita cassete enrolada, som espumando borbulhas entre os dedos. Espelhos. O movimento contí-nú-o. Pausa. Outro copo ainda sujo ao chão. Vinho. Vidro em pedaços. Ação. Pés entrelaçados olham sangrando para o chão. Carne crua, corpo que pulsa. Movimento contínuo. Fita enrolada'inda bate-o coração.

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hoje é dia e sempre perfume

Eu me enlaço nos teus braços e tudo muda.
mudo o mundo mudo.
silencio palavras.
choro e sofro em pausas len-tas.
haverão dias e rosas,

sempre perfume.

terça-feira, 14 de abril de 2015

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<labor et lima>

hahaha!!!

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O Mar sem números

Espumas leves
pesam sobre o chão que chora e,
a Água fria,
escorre entre os dedos.
Faz-se um nó: espuma e sal. [a água evaporou.]


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depois chove.
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(não me canso de chover.)   

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Tarde, a tarde e meio. Sem relógio.
Meias,
caixas, livros empoeirados ainda com as páginas brancas.
É, a mudança.

[haverá sempre saudade.] - e a vida permanece. Há.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Pântano


Submersas as ideias
dissolvem-se em pétalas 
além-flores.

Mergulha em si mesma
e respira o ar
que vive
submerso 
a inspirar.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A normatização

Há um sujeito sem sentido - perdido
em um sintagma lúcido, restrito,
que faz seu objeto direto
parecer um albatroz vestido

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Sim, o espaço preenche-se com música. A dança logo aparece.
O movimento repousa entre os dedos dos pés.
Logo os olhos se fecham.
Sem perceber ela levanta-se e parece tentar fugir de si mesma.
Mas o som insiste em lhe convidar.

Ela deixa seduzir-se: dança.

Ao nascer do sol, canta.

Apesar do tempo, ainda ouço a sua voz.

la magnifique modernité

"Bem,
não há nada de extraordinário nesta escrita. 
Eu não sei escrever poesias ou narrativas.
É melhor tu ires ver um filme, de ficção científica."


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Entre! Há livros

Escondeu-se nas cortinas quando eu abri a porta, mas esqueceu-se de esconder os pés inconfundíveis entre os tecidos. Ali ficou.
Eu nada disse, caminhei com meus passos pelo chão que há tanto tempo estava ali, sustentando aqueles tantos livros que li. 
Caminhei e observei, cuidadosamente, mais uma vez, se
estavam todos na ordem em que eu costumara deixar: comecei organizando-os pelas cores. Na estante do lado esquerdo, todos os tons de verde bem ao alto, eram as folhas das árvores, o oxigênio que me mantinha em pé, com os pulmões cheios, depois meio vazios e depois, cheios outra vez. Estes livros verdes por vezes tornavam-se meu receio. Acontece que eu fumava demais e, meus pulmões pareciam estar ficando fracos, por isso, resolvi que os livros de capas marrons, cinzas e pretos deveriam ficar perto do chão qual eu pisava, assim representariam a terra, onde eu possivelmente acabaria enterrado em pouco tempo. Não pararia de fumar e também não deixaria de ler. 
Continuei com meus passos. Alguns faziam-se mais fortes quando eu corria os olhos por um título inquietante, ou por um romance chato, que fui obrigado a ler. Gostava de obrigar a mim mesmo a fazer certas leituras que em princípio julgava inútil, mas depois descobria que ao menos faziam as horas solitárias mais animadas, por vezes, aconchegantes. Na verdade ler era a coisa mais fácil que eu poderia fazer na situação em que me encontrava e no lugar onde eu estava. Não havia nada para mim fora daqueles paredes. O mundo é uma constante desilusão de páginas que ficam amareladas com o tempo. Assim os autores por vezes também me deixavam frustrado. Tolice pensar que eram homens como eu. Não, não eram. Traziam consigo uma carta oculta na manga e, em qualquer instante conseguiriam acertar os números da loteria, porque por vezes eles próprios sustentavam a loteria. Eu mal sustentava à mim mesmo. Sustentava também aqueles pequenos pés que insistiam em permanecer quase ocultos, entre as cortinas. Na verdade, ela também me sustentava. Irrelutávelmente dependíamos um do outro, feito animal que somos. 
 Distraio-me entre as obras e quase esqueço daqueles pés. Esqueci-me há quanto tempo eu estava ali em pé, parado, tentando olhar pela janela mas com Tolstoi ofuscando no lado direito do meu ombro. Sabia que se o tocasse sentaria e releria as páginas marcadas a lápis, porque essas páginas sempre traziam algo novo e também, nem sempre eram sempre as mesmas páginas que estavam marcadas. Era o trabalho dela. Tentava compreender de uma maneira controversa à obtusidade tudo aquilo que as palavras não revelavam. Encontrava o tesouro sempre, muito antes do que eu. Por isso, apesar da minha invisibilidade e inutilidade neste mundo, sentia-me o mais importante de todos os homens por poder desfrutar sozinho daquele tesouro. Embora pensasse que isso era um pua que ajudaria a derrubar o muro, entristecia-me o fato dela sozinha, não querer conversar com o mundo, e dizer tudo aquilo que, sagrado e escuro, escondia-se entre as linhas das páginas amareladas que translúcidas revelam este mundo.
O som dos meus passos calaram-se, estático permaneci nestes pensamentos. Aqueles pés inconfundíveis não se enroscariam na cortina, ela havia partido, outra vez, quase sem eu perceber. 
Incrível como eu distraía-me facilmente entre aqueles livros, aqueles pés, e o meu pensar. Sabia que apesar de todas aquelas leituras, eu não era capaz de escrever sequer uma oração coordenativa assindética, ela porém, sabia.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Anáfora

Tem gente defendendo tese de dissertação.
Gente passeando com o cão
Gente tentando ser cosplay bem longe do Japão
Gente procurando a direção
Gente cheia de preocupação
Gente que não respira em vão
Gente em gestação
Gente com os pés no chão
Gente com nuvens nas mãos
Gente que sonha em ser patrão
Gente que não sabe se é peão
Gente que acredita na Educação
Gente que vive de corrupção
Gente que nunca viu um vulcão
Gente que não tem fogão
Gente que morre, sem alimentação


Quanto custa o pão?

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

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E então, em meio aquela confusão de coisas plásticas, com pessoas elásticas que vendiam o seu saber disse:
- Me parece que, certas pessoas, às vezes pensam que, comendo dinheiro, vão cagar outra coisa além de merda. Não é de se espantar, tantas são as vezes em que o processo é inverso, e estas mesmas pessoas não 'mastigam' as palavras direito, de modo que a merda acaba saindo pelo lado errado. A boca até parece cheirar mal. É assim, civilização racional: uma face compra, a outra vende, sem consciência do valor real. E eu não vou pedir-vos desculpas pelas "palavras inapropriadas" utilizadas nessa ocasião, pois quando se trata de realidade, todas as palavras são apropriadas para dizê-las. De quê adianta-vos tanto conhecimento, livros nas prateleiras e nenhuma humanidade nas mãos? Vós sois tão culpados pela alienação quanto áqueles que, polidamente, criticam. Cêis não são superiores. Cêis são canalhas aproveitadores em busca de salvação, de si mesmos, é claro. Vós sois tão covardes que insistem em permanecer entre paredes muito bem planejadas. Terão algum dia coragem de caminhar pelas estradas que fogem da vossa própria visão?
Seu discurso é interrompido pelo som de louças quebrando na sala ao lado. A verdade entre as coisas apenas havia começado e o espanto, fez escorrer champanhe em lágrimas ácidas pelo chão. No entanto não há sal dos olhos que lhes salve. Havia apenas começado e por isso, há que se ter cautela ao dizer... Mesmo que as palavras para retratar a realidade sejam todas apropriadas.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Hipérbato


Compre agora a velha-nova
T-shirt para combater
o capitalismo.

Disponível em todas as lojas, estoques ilimitados! 

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Estremeceu.
Fez-se em sol menor na sétima,
contraiu as cordas e repousou os dedos
enquanto o sol entrava pela janela
sem windows prá distrair o domingo.

Surgiram então os passos...

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Other

Deixou o corpo deslizar pelos  lençóis mais uma vez enquanto o rádio lançava flechas secas - sem alvo, a parede então reuniu um sapateado.
Sem milk shake e longe do James Dean, ela rolava pela cama coberta de desejos roubados. 

Os pés tocam-se, as mãos empurram o travesseiro e um bocejo sem gosto parece aliviar o desespero misturado a angústia de perder, o que havia sido:
um zumbido de abelha procurando mel entre os ouvidos e o som desaparece - permanece a lembrança.
A procura por anseios distorce o reflexo no espelho - brota distante um sorriso: melancolia com disfarce faz da alegria um combate: 
preserva eternamente a cicatriz.
Então, o corpo quente com sangue em rios descontentes, esconde o agridoce e sagaz relâmpago que dita as notas à tocar. 
Entre os livros, garrafas e um cinzeiro, o violoncelo ocupa um espaço sereno: música para dramatizar.
Enfatiza os passos pela cama. 
Nos lençóis há um cheiro de lama, que ela insiste em preservar. 
As cordas corroem a carne dos dedos, mas a música não pode parar: são os passos da menina que sozinha, inspira e respira seu próprio ar.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Mitemas distantes

Há o descontínuo em cima do muro.
Parece calmo, sereno e profundo,
desliza nos passos terrenos, imundos,
que rompem todo o anoitecer. 

Teus olhos de águia
despertam estradas,
trazem prá perto
a angústia e o querer.

Existem tijolos distantes inertes.
E sem a grandeza do Monte Everest
surgem espasmos, no interior do teu Ser.

Sereno e profundo,
nobre vagabundo,
das noites os sonhos
roubam o amanhecer.

Distante o presente e
o passado ausente,
resta o futuro lhe dizer:

Sem dentes a estrada,
devora a espada
que aprisiona o teu viver.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Aquecem as palavras que o vento derreteu

É simples.
O vento canta janela à fora e a porta não se abre. 
Fixa, sem chave.
Dobradiça antiga, dos tempos que pairávamos junto a lareira:
havia fome.
O frio enroscava-se entre as frestas na parede, esvoaçava pelo telhado íngreme.
E enquanto o vento domava gritos transformados em canções,
eu, com olhos afiados de guilhotina, cortava as palavras do único livro que até então conhecera,
lera. E sua capa verde-velho, antes floresta viva em primavera, agora oliva desfocado no presente,
mostrava-me que as coisas todas se vão; que os dias quase sempre mudam a direção e que a água esfria depois de quente. Jamais esquecerei quando ganhei este livro de presente. 
O que fica é a lembrança costurada na memória relutando em palmatórias, chorando e rindo o reviver ou, 
a satisfação contente de viver agridocemente: aquela certa alegria depois de arrancar um dente careado, que á dias não nos deixa mastigar e insiste em doer e incomodar, para poder enfim estilhaçar um pedaço de carne, de gente.
Havia fome.
Assim repousavam os dias em lembranças, é inverno. 
Durante a noite era preciso ficar bem perto do fogo, não pelo frio, mas para assim conseguir ler as palavras que o livro trazia, ou então, acender velas. 
Os olhos doíam, e as vezes choravam sem querer, talvez fosse o cansaço. 
Não. Ler não me cansava, embora lesse sempre o mesmo livro, reescrevera-o em versos tão distantes que jamais nada os irá resgatar. 
Criava e recriava contos ou romances inteiros. Haviam poemas perdidos pelo meio e cantos que embalavam o ninar: sim, sempre insisti em sonhar.
Cortava as letras,  mesmo com meus dedos gelados - pontas roxas, não poderia escrever. Também, não havia mais papel, ou tinta e caneta de pena. 
Tudo se fora.
Tardes quentes perdidas, pois tantas cartas foram escritas, enviadas. Mesmo assim não houve perdão. De nada adiantam palavras bonitas quando se magoa um coração. E eu não só magoara aquele pobre coração como o estilhaçara em tantos pedaços que jogados ao fogo, eram agora a cinza da fogueira que parecia de nada aquecer as mãos.
Fazia frio e doía a solidão. 


Logo as palavras renovar-se-ão... 

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

-

Estas tuas palavras mortas
que saem pela tua boca torta
nada dizem, e não há perdão.

Tua voz não tem ouvido,
contenta-te em traduzir os vícios,
negados, na contramão.

Estes teus dedos de gente,
teu sorriso displicente
é amargura e solidão.

Tua cara mal lavada
a preguiça escancarada
mostra-se na tua direção.

Estes teus passos sem nome,
roubados foram, daquele homem,
entristece o teu viver.

Teu olhar estupefato
diante outro escapulário
desvanece o teu querer.

Estes teus pés de indigente,
tua cobiça displicente 
só mostra quem tu almeja ser,

mas não é.

Há, se tu te orgulhasses das pegadas dos teus pés.
[fazer o quê, se para você, é mais bonito aparentar estar na tv?!]


domingo, 15 de dezembro de 2013

-

Estáticas as mãos destroçam os vidros da janela que não se abre.
São mil olhos escondidos nas paredes do corredor
e tu estás cego.
O vidro corta-te os dedos sem sangue -
a vida escorre em rios distantes.

Desfez as malas
reuniu as tralhas e
compôs uma canção para enfim cantar.
A voz ecoou penetrante e os vidros
espalhados já não são importantes - 
os dedos jorram sangue: flores e diamantes.

A Terra a girar.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

-

Esses teus olhos desgastados não enganam mais os meus passos. 
Teu rosto bonito é ultrapassado - distante. 
Faz meu vômito nada errante e te queimo com gelo - sofrendo o inverno distante. 

Sem alfabeto teu nome nada mais diz. 
Esforça-se com sorrisos engasgando o jantar -
não quero mais te olhar 

Essa tua luta constante,
enfadonha - tu és igual.

Tua arte é plástico,
teu respirar trágico

o teatro soprando a vida enquanto cospe em teus sapatos
tu não precisa de nariz de palhaço,
não tens faca e nem queijo na mão,
logo terás somente uma direção.

Esses teus olhos desgastados escondem
o sofrimento que respira na tua pele tingida,
transvestida de peseudohumanização